Home

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Papa: "Aborto não resolve nada. Mata a criança e destrói mulher"


O Papa Bento XVI recebeu em audiência os participantes da 17ª Assembleia Anual da Pontifícia Academia para a Vida na manhã deste sábado, 26, na Sala Clementina do Palácio Apostólico Vaticano. Os temas dos debates da Academia, que iniciaram no dia 24, foram as consequências do aborto e da utilização de bancos para conservação de cordão umbilical.

"O aborto não resolve nada, mas mata a criança, destrói a mulher e cega a consciência do pai da criança, arruinando, frequentemente, a vida familiar", disse o Pontífice.

Acesse
.: NA ÍNTEGRA: Discurso de Bento XVI na Plenária da Academia para a Vida


Bento XVI recordou também a importante função dos médicos em defender do engano as mulheres que pensam encontrar no aborto a solução para os conflitos familiares:

"Tal tarefa, todavia, não diz respeito somente à profissão médica e aos agentes de saúde. É necessário que a sociedade toda se coloque em defesa do direito à vida do concebido e do verdadeiro bem da mulher, que nunca, em nenhuma circunstância, poderá se realizar na escolha do aborto", exclamou.

Quanto às mulheres que já tenham recorrido à prática e que agora experimentam um drama moral e existencial, o Papa salientou que é preciso oferecer apoio psicológico e espiritual para uma recuperação plena. "A solidariedade da comunidade cristã não pode renunciar a esse tipo de corresponsabilidade", disse.

Com relação à temática da síndrome pós-abortiva – o grave desconforto psíquico experimentado frequentemente pelas mulheres que recorrem ao aborto voluntariamente –, o Santo Padre explicou que isso "revela a voz insuprimível da consciência moral e a ferida gravíssima que ela sofre cada vez que a ação humana atraiçoa a inata vocação do ser humano ao bem".

Nessa perspectiva, o Sucessor de Pedro definiu consciência moral como uma prerrogativa não apenas dos cristãos ou dos fiéis, mas como algo que acomuna todo o ser humano e ajuda a discernir objetivamente o bem do mal nas diversas situações da existência, para que o homem possa orientar-se ao bem.

"Na consciência moral, Deus fala a cada um e convida a defender a vida humana em todo momento. Nesse vínculo moral com o Criador está a dignidade profunda da consciência moral e a razão da sua inviolabilidade", indicou.


Cordão umbilical

No que diz respeito à utilização dos bancos de cordão umbilical a título clínico e de pesquisa, o Pontífice recordou que a pesquisa médico-científica "é um valor, e portanto um compromisso, não somente para os pesquisadores, mas para toda a comunidade civil". Daí surge a necessidade de se promoverem pesquisas eticamente válidas e destinadas a promover o bem comum. O Papa citou o caso do emprego de células estaminais provenientes do cordão umbilical como um exemplo:

"Trata-se de aplicações clínicas importantes e de pesquisas promissoras no plano científico, mas que, na sua realização, muito dependem da generosidade na doação do sangue cordonal no momento do parto e da adequação das estruturas, para fomentar a vontade de doação por parte das grávidas".

Quanto ao crescente aumento no número de bancos privados para a conservação do sangue cordonal apenas para uso pessoal, o Bispo de Roma apontou que tal opção, "além de ser privada de uma real superioridade científica com relação à doação cordonal, debilita o genuíno espírito de solidariedade que deve constantemente animar a pesquisa daquele bem comum ao qual, em última análise, a ciência e a pesquisa médica tendem".

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

VIII Domingo do tempo comum


Homilia

Quando se pensa seriamente na vida, percebemos, não necessariamente através de profundos raciocínios, de que vale a pena aproveitar o hoje da nossa existência fazendo o bem. O que acontecerá amanhã? Ninguém pode me assegurar uma resposta.

O passado já não nos pertence. Aquilo que fizemos de bem, ficou para trás, ainda que perdure o mérito; aquilo que tenhamos feito mal, também ficou para trás e também perdura o demérito da situação concreta. Não obstante, podemos aproveitar a experiência de vida alcançada, seja com ocasião de um bem realizado, seja com ocasião de um mal executado. Existe um ditado que diz que “errar é humano”, há uma segunda versão que diz que “errar uma vez é humano, errar duas vezes é burrice”. É possível unir os dois num só: “errar é algo muito humano, não importa quantas vezes; burrice é não querer sair do erro”. São Josemaría Escrivá, ao começar um novo ano, em vez de dizer o famoso ditado “ano novo, vida nova”, como bom conhecedor da natureza humana que era, fazia uma pequena alteração no ditado popular: “ano novo, luta nova”. O que é inteligente e bonito é querer sair do erro! A permanência do frescor da luta é uma maravilha da graça. Para quê? Para amar mais a Deus, para ser melhores, para servir mais. Esse é o nosso caminho… Durante toda a vida! E nem importa tanto se temos tantas ou quantas vitórias, o mais importante é continuar lutando.

Serei melhor no futuro? Deixarei esse ou aquele vício? Conseguirei essa ou aquela virtude? Meditarei melhor a Palavra de Deus? Conseguirei estar mais disponível para os meus irmãos? Suportarei melhor determinada pessoa? Serei mais rico ou mais pobre? Conseguirei levar a cabo aquele projeto evangelizador? … As perguntas poderiam multiplicar-se. O futuro, no entanto, está nas mãos de Deus.

O importante é continuar lutando. Chega um momento na vida interior em que essa verdade faz-se cada vez mais patente. No começo do nosso encontro com Deus, as coisas pareciam mais fáceis: alegrias e consolações interiores, força de vontade para extirpar os maus hábitos, a convicção diáfana de que acertamos o caminho, o desejo de servir a todos, a posta em prática de uma tarefa evangelizadora que alcançava o maior número possível de pessoas. Com o passar dos anos, quiçá nós percebemos que os frutos foram escassos e, talvez, nesse momento, pôde ter vindo o desânimo: tantos anos lutando contra um determinado defeito, poucas pessoas se aproximaram de Deus, ainda existe o egoísmo e os defeitos dos membros da Igreja. O que o diabo quer é que desanimemos!

O nosso desânimo é vitória para o demônio. E nós não podemos conceder-lhe essa vitória. O desanimo poderia ser o começo de uma enfermidade que, de mal a pior, vai esfriando a alma a tal ponto de colocá-la numa situação de desespero que poderia levar ao abandono da própria salvação eterna.

É muito importante que tenhamos presente essas palavras do Senhor que nos estimulam a seguir adiante: “Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça e todas estas coisas vos serão dadas em acréscimo. Não vos preocupeis, pois, com o dia de amanhã: o dia de amanhã terá as suas preocupações próprias. A cada dia basta o seu cuidado” (Mt 6,33-34). O que devemos buscar em primeiro lugar? O Reino de Deus. Esse reino inclui a glória de Deus e todo o bem que uma pessoa pode desejar para si e para os demais. Buscar o Reino também significa não preocupar-se com o dia de amanhã. Como? E a previsão das coisas? O Senhor diz que não nos preocupemos, mas não proíbe ocupar-nos. Claro que se pode ter certa previsão das coisas e atuar em consequência; não podemos, no entanto, ser consumidos pelas dificuldades da vida. Nem a nossa perfeição cristã deve preocupar-nos: vamos ocupar-nos em buscar a santidade, mas não nos preocuparemos, não vamos estar alienados com o tema. Não aconteça que ao buscar os bens de Deus nos esqueçamos do autor desses bens.

A vida cristã implica normalidade. Trata-se de que vivamos o hoje do nosso serviço a Deus, o hoje da nossa luta e o hoje do nosso serviço aos demais. O amanhã pertence a Deus que, desde a sua eternidade, não contempla passado e futuro, mas os une na sua visão clara do hoje eterno.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Discurso do papa sobre a quaresma 2011


“Sepultados com Ele no batismo, foi também com Ele que ressuscitastes” (cf. Cl 2, 12).

Amados irmãos e irmãs!

A Quaresma, que nos conduz à celebração da Santa Páscoa, é para a Igreja um tempo litúrgico muito precioso e importante, em vista do qual me sinto feliz por dirigir uma palavra específica para que seja vivido com o devido empenho. Enquanto olha para o encontro definitivo com o seu Esposo na Páscoa eterna, a Comunidade eclesial, assídua na oração e na caridade laboriosa, intensifica o seu caminho de purificação no espírito, para haurir com mais abundância do Mistério da redenção a vida nova em Cristo Senhor (cf. Prefácio I de Quaresma).

1. Esta mesma vida já nos foi transmitida no dia do nosso Batismo, quando, “tendo-nos tornado partícipes da morte e ressurreição de Cristo” iniciou para nós “a aventura jubilosa e exaltante do discípulo” (Homilia na Festa do Batismo do Senhor, 10 de Janeiro de 2010).

São Paulo, nas suas Cartas, insiste repetidas vezes sobre a singular comunhão com o Filho de Deus realizada neste lavacro. O fato que na maioria dos casos o Batismo se recebe quando somos crianças põe em evidência que se trata de um dom de Deus: ninguém merece a vida eterna com as próprias forças. A misericórdia de Deus, que lava do pecado e permite viver na própria existência «os mesmos sentimentos de Jesus Cristo», é comunicada gratuitamente ao homem.

O Apóstolo dos gentios, na Carta aos Filipenses, expressa o sentido da transformação que se realiza com a participação na morte e ressurreição de Cristo, indicando a meta: que assim eu possa “conhecê-Lo, a Ele, à força da sua Ressurreição e à comunhão nos Seus sofrimentos, configurando-me à Sua morte, para ver se posso chegar à ressurreição dos mortos” (Fl 3, 10- 11). O Batismo, portanto, não é um rito do passado, mas o encontro com Cristo que informa toda a existência do batizado, doa-lhe a vida divina e chama-o a uma conversão sincera, iniciada e apoiada pela Graça, que o leve a alcançar a estatura adulta de Cristo.

Um vínculo particular liga o Batismo com a Quaresma como momento favorável para experimentar a Graça que salva. Os Padres do Concílio Vaticano II convidaram todos os Pastores da Igreja a utilizar «mais abundantemente os elementos batismais próprios da liturgia quaresmal» (Const. Sacrosanctum Concilium, 109). De fato, desde sempre a Igreja associa a Vigília Pascal à celebração do Batismo: neste Sacramento realiza-se aquele grande mistério pelo qual o homem morre para o pecado, é tornado partícipe da vida nova em Cristo Ressuscitado e recebe o mesmo Espírito de Deus que ressuscitou Jesus dos mortos (cf. Rm 8,).

Este dom gratuito deve ser reavivado sempre em cada um de nós e a Quaresma oferece-nos um percurso análogo ao catecumenato, que para os cristãos da Igreja antiga, assim como também para os catecúmenos de hoje, é uma escola insubstituível de fé e de vida cristã: deveras eles vivem o Batismo como um ato decisivo para toda a sua existência.

2. Para empreender seriamente o caminho rumo à Páscoa e nos prepararmos para celebrar a Ressurreição do Senhor – a festa mais jubilosa e solene de todo o Ano litúrgico – o que pode haver de mais adequado do que deixar-nos conduzir pela Palavra de Deus? Por isso a Igreja, nos textos evangélicos dos domingos de Quaresma, guia-nos para um encontro particularmente intenso com o Senhor, fazendo-nos repercorrer as etapas do caminho da iniciação cristã: para os catecúmenos, na perspectiva de receber o Sacramento do renascimento, para quem é batizado, em vista de novos e decisivos passos no seguimento de Cristo e na doação total a Ele.

O primeiro domingo do itinerário quaresmal evidencia a nossa condição dos homens nesta terra. O combate vitorioso contra as tentações, que dá início à missão de Jesus, é um convite a tomar consciência da própria fragilidade para acolher a Graça que liberta do pecado e infunde nova força em Cristo, caminho, verdade e vida (cf. Ordo Initiationis Christianae Adultorum, n. 25). É uma clara chamada a recordar como a fé cristã implica, a exemplo de Jesus e em união com Ele, uma luta «contra os dominadores deste mundo tenebroso» (Hb 6, 12), no qual o diabo é ativo e não se cansa, nem sequer hoje, de tentar o homem que deseja aproximar-se do Senhor: Cristo disso sai vitorioso, para abrir também o nosso coração à esperança e guiar-nos na vitória às seduções do mal.

O Evangelho da Transfiguração do Senhor põe diante dos nossos olhos a glória de Cristo, que antecipa a ressurreição e que anuncia a divinização do homem. A comunidade cristã toma consciência de ser conduzida, como os apóstolos Pedro, Tiago e João, «em particular, a um alto monte» (Mt 17, 1), para acolher de novo em Cristo, como filhos no Filho, o dom da Graça de Deus: «Este é o Meu Filho muito amado: n’Ele pus todo o Meu enlevo. Escutai-O» (v. 5).

É o convite a distanciar-se dos boatos da vida quotidiana para se imergir na presença de Deus: Ele quer transmitir-nos, todos os dias, uma Palavra que penetra nas profundezas do nosso espírito, onde discerne o bem e o mal (cf. Hb 4, 12) e reforça a vontade de seguir o Senhor. O pedido de Jesus à Samaritana: “Dá-Me de beber” (Jo 4, 7), que é proposto na liturgia do terceiro domingo, exprime a paixão de Deus por todos os homens e quer suscitar no nosso coração o desejo do dom da “água a jorrar para a vida eterna” (v. 14): é o dom do espírito Santo, que faz dos cristãos “verdadeiros adoradores” capazes de rezar ao Pai “em espírito e verdade” (v. 23). Só esta água pode extinguir a nossa sede do bem, da verdade e da beleza! Só esta água, que nos foi doada pelo Filho, irriga os desertos da alma inquieta e insatisfeita, “enquanto não repousar em Deus”, segundo as célebres palavras de Santo Agostinho.

O domingo do cego de nascença apresenta Cristo como luz do mundo. O Evangelho interpela cada um de nós: ”Tu crês no Filho do Homem?”. “Creio, Senhor” (Jo 9, 35.38), afirma com alegria o cego de nascença, fazendo-se voz de todos os crentes. O milagre da cura é o sinal que Cristo, juntamente com a vista, quer abrir o nosso olhar interior, para que a nossa fé se torne cada vez mais profunda e possamos reconhecer n’Ele o nosso único Salvador. Ele ilumina todas as obscuridades da vida e leva o homem a viver como “filho da luz”.

Quando, no quinto domingo, nos é proclamada a ressurreição de Lázaro, somos postos diante do último mistério da nossa existência: “Eu sou a ressurreição e a vida... Crês tu isto?” (Jo 11, 25-26). Para a comunidade cristã é o momento de depor com sinceridade, juntamente com Marta, toda a esperança em Jesus de Nazaré: “Sim, Senhor, creio que Tu és o Cristo, o Filho de Deus, que havia de vir ao mundo» (v. 27). A comunhão com Cristo nesta vida prepara-nos para superar o limite da morte, para viver sem fim n’Ele. A fé na ressurreição dos mortos a esperança da vida eterna abrem o nosso olhar para o sentido derradeiro da nossa existência:

Deus criou o homem para a ressurreição e para a vida, e esta verdade doa a dimensão autêntica e definitiva à história dos homens, à sua existência pessoal e ao seu viver social, à cultura, à política, à economia. Privado da luz da fé todo o universo acaba por se fechar num sepulcro sem futuro, sem esperança. O percurso quaresmal encontra o seu cumprimento no Tríduo Pascal, particularmente na Grande Vigília na Noite Santa: renovando as promessas batismais, reafirmamos que Cristo é o Senhor da nossa vida, daquela vida que Deus nos comunicou quando renascemos “da água e do Espírito Santo”, e reconfirmamos o nosso firme compromisso em corresponder à ação da Graça para sermos seus discípulos.

3. O nosso imergir-nos na morte e ressurreição de Cristo através do Sacramento do Batismo, estimula-nos todos os dias a libertar o nosso coração das coisas materiais, de um vínculo egoísta com a “terra”, que nos empobrece e nos impede de estar disponíveis e abertos a Deus e ao próximo. Em Cristo, Deus revelou-se como Amor (cf 1 Jo 4, 7-10). A Cruz de Cristo, a “palavra da Cruz” manifesta o poder salvífico de Deus (cf. 1 Cor 1, 18), que se doa para elevar o homem e dar-lhe a salvação: amor na sua forma mais radical (cf. Enc. Deus cáritas est, 12). Através das práticas tradicionais do jejum, da esmola e da oração, expressões do empenho de conversão, a Quaresma educa para viver de modo cada vez mais radical o amor de Cristo. O Jejum, que pode ter diversas motivações, adquire para o cristão um significado profundamente religioso: tornando mais pobre a nossa mesa aprendemos a superar o egoísmo para viver na lógica da doação e do amor; suportando as privações de algumas coisas – e não só do supérfluo – aprendemos a desviar o olhar do nosso «eu», para descobrir Alguém ao nosso lado e reconhecer Deus nos rostos de tantos irmãos nossos. Para o cristão o jejum nada tem de intimista, mas abre em maior medida para Deus e para as necessidades dos homens, e faz com que o amor a Deus seja também amor ao próximo (cf. Mc 12, 31).

No nosso caminho encontramo-nos perante a tentação do ter, da avidez do dinheiro, que insidia a primazia de Deus na nossa vida. A cupidez da posse provoca violência, prevaricação e morte: por isso a Igreja, especialmente no tempo quaresmal, convida à prática da esmola, ou seja, à capacidade de partilha. A idolatria dos bens, ao contrário, não só afasta do outro, mas despoja o homem, torna-o infeliz, engana-o, ilude-o sem realizar aquilo que promete, porque coloca as coisas materiais no lugar de Deus, única fonte da vida.

Como compreender a bondade paterna de Deus se o coração está cheio de si e dos próprios projetos, com os quais nos iludimos de poder garantir o futuro? A tentação é a de pensar, como o rico da parábola: «Alma, tens muitos bens em depósito para muitos anos...». «Insensato! Nesta mesma noite, pedir-te-ão a tua alma...» (Lc 12, 19-20). A prática da esmola é uma chamada à primazia de Deus e à atenção para com o próximo, para redescobrir o nosso Pai bom e receber a sua misericórdia.

Em todo o período quaresmal, a Igreja oferece-nos com particular abundância a Palavra de Deus. Meditando-a e interiorizando-a para a viver quotidianamente, aprendemos uma forma preciosa e insubstituível de oração, porque a escuta atenta de Deus, que continua a falar ao nosso coração, alimenta o caminho de fé que iniciamos no dia do Batismo. A oração permite-nos também adquirir uma nova concepção do tempo: de fato, sem a perspectiva da eternidade e da transcendência ele cadencia simplesmente os nossos passos rumo a um horizonte que não tem futuro. Ao contrário, na oração encontramos tempo para Deus, para conhecer que “as suas palavras não passarão” (cf. Mc 13, 31), para entrar naquela comunhão íntima com Ele “que ninguém nos poderá tirar” (cf. Jo 16, 22) e que nos abre à esperança que não desilude, à vida eterna.

Em síntese, o itinerário quaresmal, no qual somos convidados a contemplar o Mistério da Cruz, é «fazer-se conformes com a morte de Cristo» (Fl 3, 10), para realizar uma conversão profunda da nossa vida: deixar-se transformar pela ação do Espírito Santo, como São Paulo no caminho de Damasco; orientar com decisão a nossa existência segundo a vontade de Deus; libertar-nos do nosso egoísmo, superando o instinto de domínio sobre os outros e abrindo-nos à caridade de Cristo. O período quaresmal é momento favorável para reconhecer a nossa debilidade, acolher, com uma sincera revisão de vida, a Graça renovadora do Sacramento da Penitência e caminhar com decisão para Cristo. Queridos irmãos e irmãs, mediante o encontro pessoal com o nosso Redentor e através do jejum, da esmola e da oração, o caminho de conversão rumo à Páscoa leva-nos a redescobrir o nosso Batismo. Renovemos nesta Quaresma o acolhimento da Graça que Deus nos concedeu naquele momento, para que ilumine e guie todas as nossas ações. Tudo o que o Sacramento significa e realiza, somos chamados a vivê-lo todos os dias num seguimento de Cristo cada vez mais generoso e autêntico. Neste nosso itinerário, confiemo-nos à Virgem Maria, que gerou o Verbo de Deus na fé e na carne, para nos imergir como ela na morte e ressurreição do seu Filho Jesus e ter a vida eterna.

Vaticano, 4 de Novembro de 2010 BENEDICTUS PP XVI

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Cristãos devem viver como filhos de Deus, diz Papa


CIDADE DO VATICANO, domingo, 20 de fevereiro de 2011 (ZENIT.org) - A perfeição cristã é "viver com humildade como filhos de Deus, cumprindo concretamente sua vontade", afirmou neste domingo Bento XVI, ao introduzir a oração do Angelus.

Assomando-se à janela de seu apartamento para rezar com os peregrinos na praça de São Pedro, o Papa quis comentar a passagem do Evangelho deste domingo: "Sede perfeitos como é perfeito o Pai que está no céu".

"Mas quem poderia chegar a ser perfeito?", perguntou. Citando São Cripriano, explicou que "à paternidade de Deus deve corresponder um comportamento de filhos de Deus, para que Deus seja glorificado e louvado pela boa conduta do homem".

"Quem acolhe o Senhor em sua própria vida e o ama com todo o coração é capaz de um novo início. Consegue cumprir a vontade de Deus: realizar uma nova forma de existência animada pelo amor e destinada à eternidade", disse.

"Se formos verdadeiramente conscientes desta realidade, e nossa vida for profundamente moldada por ela, então nosso testemunho converte-se em claro, eloquente e eficaz."

"Quando todo o ser do homem, por assim dizer, se mesclou com o amor de Deus, então o esplendor de sua alma se reflete também no aspecto exterior", disse, citando João Clímaco.

"Grande coisa é o amor - prosseguiu o Papa, citando a Imitação de Cristo -, um bem que faz leve cada coisa pesada e suporta tranquilamente toda coisa difícil. O amor aspira a subir ao alto, sem ser barrado por nada terreno. Nasce em Deus e só em Deus pode encontrar repouso".


sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

VII Domingo do tempo comum


Amor a quem? Aos inimigos? Sim. Aos que nos odeiam e aos que nos maltratam, aos que nos perseguem e aos que falam mal de nós, nem excluímos os que difamam a Igreja e os que injuriam os ministros de Deus. Também os insensatos que afirmam disparates contra a fé e os bons costumes tentando corromper a família, a juventude e as crianças, devem ser objetos do nosso amor que perdoa. Enfim, todos os que nos consideram inimigos – nós, ao contrário, não somos inimigos de ninguém – se sintam amados e perdoados por nós. O amor de Cristo não conhece fronteiras e nós, seus discípulos, também devemos desconhecê-las.

Cristo não pregou essa doutrina somente com a palavra, mas também com o exemplo. Do alto da cruz, depois de crucificado por aqueles deicidas, ou seja, por todos os pecadores, pronuncia aquelas palavras que continuam nos comovendo profundamente: “Pai, perdoa-lhes; porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34). Faz dois mil anos que essas palavras ressoam aos ouvidos do Pai que, em atenção a essa súplica do seu Filho, ao qual não fizeram justiça, continua perdoando e nos levando ao Paraíso.

“Mais do que em “dar”, a caridade estar em “compreender” (S. Josemaría Escrivá, Caminho, 463). O que nós fazemos para compreender aqueles que se dizem nossos inimigos? Será que nós pensamos que essas pessoas tem fome de Deus e de que, no fundo, desejariam ser felizes ao lado do Senhor? De fato é assim: eles desejam a felicidade e, consequentemente, desejam a Deus. Demos graças a Deus pelo dom da fé e pela boa formação que vamos recebendo no seio da Igreja, já que se não fosse a bondade de Deus para conosco seríamos piores que aqueles que, quiçá, julgamos endiabrados.

Certa vez dois jovens viram a um sacerdote passar pela rua e decidiram incomodá-lo; um deles disse, então, uma terrível blasfêmia. Realmente, conseguiram o seu objetivo: o sangue do padre subiu fervendo, ainda que exteriormente o sacerdote procurasse mostrar a máxima amabilidade possível para falar com aqueles jovens não desde a imposição, mas com uma proposta inteligente. O padre disse aos jovens: “eu passei pacificamente pela rua, não disse nada a nenhum de vocês. Qual é a razão dessa blasfêmia? Vocês não respeitam a Deus?” Um dos jovens respondeu: “Deus não existe”. O sacerdote replicou: “se Deus não existe, então porque você blasfema contra alguém que não existe? Não me parece lógico”. O outro jovem, que estava ao lado do seu amigo escutando esse diálogo entre o padre e seu interlocutor, interviu: “olha, cara, eu acho que o padre tem razão: se Deus não existe porque você está blasfemando contra alguém que não existe?” O outro rapazinho, o que blasfemara, pensou por uns segundos e disse: “é mesmo, padre. Desculpa aí.” O sacerdote gostou da atitude daqueles garotos e terminou a conversa da seguinte maneira: “ainda que vocês não acreditem em Deus, eu vou rezar por vocês; pode ser?” Ao que eles responderam: “pode sim, mal é que o senhor não nos vai fazer?” O que aconteceu aos jovens depois daquela conversa com o padre eu não sei, o que eu sei é que aquele jovem padre continua convencido de que um gesto amável e uma proposta acompanhada de um sorriso valem mais que uma bronca.

Às vezes as pessoas necessitam alguém que possa dialogar com elas. Não se comportam dessa maneira simplesmente por “espírito de porco”, como se diz, mas é que ignoram as verdades mais básicas, inclusive as da lógica mais elementar. É preciso ter paciência, amar a essas pessoas e caminhar com elas, como Jesus, que comia com os pecadores e com os cobradores de impostos. Jesus, que veio salvar aos pecadores, conversava com os seus inimigos frequentemente e, mesmo sofrendo, do alto da cruz, mostrou-lhes um gesto de carinho suplicando para eles o perdão do seu Pai.

Não olhemos as pessoas desde cima, como se fossem inferiores a nós, ainda que nos considerem inimigos. A caridade exige justamente o contrário: colocar-nos ao serviço deles, ver os aspectos positivos dos demais, fomentar as qualidades que o outro tem e entrar – de certa maneira – no universo dele para procurar compreendê-lo. E, dessa maneira, desde a visão do outro, ainda que errônea, procurar encaminhar tudo para o bem, para Deus.

Que bom é saber amar, saber perdoar, saber compreender. Graças sejam dadas ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo que quis difundir o amor que há entre eles às suas criaturas inteligentes. É verdade, Deus foi crucificado por amar. É verdade, talvez sejamos crucificados por amar. Mas, não tem problema, outros foram crucificados por roubar. Sempre se pode ser crucificado, o sofrimento é uma experiência universal. No entanto, somente o cristianismo pode oferecer o autêntico sentido do sofrimento porque tem o seu modelo em Cristo, o justo sofredor que morre perdoando os inimigos e os liberta das suas dores.


terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Direito matrimonial a cerca dos processos de nulidade


Quando o assunto é o Sacramento do Matrimônio, a doutrina da Igreja age com muito rigor e atenção; ela tem como base os ensinamentos do seu Divino Fundador além da responsabilidade, cada vez maior, de ser a guardiã do Matrimônio tal qual como foi concebido, preservando a pureza e genuinidade do sacramento. A Exortação Apostólica Familiaris Consortioé um documento que aborda o tema de maneira muito objetiva e didática ao declarar que:

É dever fundamental da Igreja reafirmar vigorosamente… a doutrina da indissolubilidade do matrimônio: a quantos, nos nossos dias, consideram difícil ou mesmo impossível ligar-se a uma pessoa por toda a vida e a quantos, subvertidos por uma cultura que rejeita a indissolubilidade matrimonial e que ridiculariza abertamente o empenho de fidelidade dos esposos, é necessário reafirmar o alegre anúncio da forma definitiva daquele amor conjugal, que tem em Jesus Cristo o fundamento e o vigor (cf. Ef 5,25).

Radicada na doação pessoal e total dos cônjuges e exigida pelo bem dos filhos, a indissolubilidade do matrimônio encontra a sua verdade última no desígnio que Deus manifestou na Revelação: ele quer e concede a indissolubilidade matrimonial como fruto, sinal e exigência do amor absolutamente fiel que Deus Pai manifesta pelo homem e que Cristo vive para com a Igreja…

O dom do sacramento é, ao mesmo tempo, vocação e dever dos esposos cristãos, para que permaneçam fiéis um ao outro para sempre, para além de todas as provas e dificuldades, em generosa obediência à santa vontade do Senhor: “O que Deus uniu, não o separe o homem” (Mt 19,6).

(João Paulo II, Exortação apostólica Familiaris Consortio).

Não é possível anular um matrimônio, até mesmo porque para que algo seja anulado é necessário que este tenha existido ou tenha sido válido. A Igreja não admite a anulação, pois, sempre que o matrimônio é autenticamente realizado, ele se torna indissolúvel, pela sua própria natureza.

No entanto, para que o matrimônio seja declarado nulo é necessária a ocorrência de algum evento que, após o devido processo legal, comprove que essa união, de fato, nunca existiu, seja por conta de: vícios de consentimento; impedimentos dirimentes ou falta de forma canônica na celebração do casamento, em contraposição a todos os sinais aparentes, como o vestido de noiva, testemunhas, damas de honra, fotografias, entre outros.

A diferença entre as duas expressões é de extrema importância, há uma clara distinção apesar de a língua, talvez, servir como um obstáculo para a compreensão, uma vez que esta acaba aproxima os dois conceitos:

“Anular um matrimônio”, se fosse possível, significaria tornar inválido um casamento cujo qual haveria preenchido todos os requisitos que o elevaria a condição de sacramento, isso se aproximaria do conceito de divórcio.

Já “declarar nulo um matrimônio” é o ato mediante o qual a autoridade competente, após o devido processo legal, emite uma declaração afirmando que aquele matrimônio nunca teve valor jurídico, nunca existiu, nunca preencheu os requisitos necessários para que ele fosse elevado a dignidade de sacramento.

Dimensão sacrifical e doxologica da Missa


Em alguns ambientes católicos, tem-se afirmado com certa constância que a Missa é renovação da paixão e da ressurreição de Cristo, como se ambas realidades se fizessem presentes na Eucaristia do mesmo modo, uma vez que “o Mistério Pascal engloba tanto uma como a outra”. Isso último é verdade, mas do que se trata é de compreender a verdadeira natureza da Missa, e não do mistério pascal da paixão, morte e ressurreição do Senhor.

De fato, Cristo ressuscitado Se faz presente em todas as missas posteriores à Páscoa – ou seja, em todas as missas com exceção da primeira, na Última Ceia –, e isso por um motivo bastante óbvio: Ele ressuscitou e é dessa forma – ressuscitado – que age através do sacerdote celebrante. Quando Cristo (o sacerdote) pronuncia as palavras “Isto é o meu corpo…”, é o Cristo Glorioso quem as pronuncia, porque são palavras pronunciadas no presente.

O fato da ressurreição, todavia, se torna presente à recordação, e não sacramentalmente; a inserção de um pedaço do pão consagrado no cálice é símbolo da ressurreição, não sua renovação mística, que é desnecessária, pois Cristo Se encontra ressuscitado. A Ressurreição já se prolonga nos tempos por esse fato somente – o de que o Senhor encontra-Se vivo e já não pode mais morrer –, ao contrário do sacrifício do Calvário, o qual, se não fosse renovado misticamente na Missa, seria um fato passado, presente somente à nossa memória e na medida em que suas graças nos são aplicadas através dos demais sacramentos.

A ressurreição, então, está presente indiretamente em todas as Missas posteriores à Última Ceia, porque o Senhor Glorioso é quem toma o pão e o vinho e os consagra e oferece ao Pai – plenamente correto é dizer que o Ressuscitado encontra-se presente em toda Missa –, mas formalmente a Missa é renovação ou atualização tão somente do sacrifício, recordando-nos os fatos históricos tanto da paixão quanto da ressurreição de Cristo – sendo que a substância da primeira se faz presente, e a outra só se faz presente na recordação e naquele modo oblíquo que é a presença do Ressuscitado.

Talvez os que sustentam a identidade do tipo de presença do sacrifício e da ressurreição se baseiem na seguinte passagem da carta encíclica Ecclesia de Eucharistia (especialmente a passagem grifada por mim):

14. A Páscoa de Cristo inclui, juntamente com a paixão e morte, a sua ressurreição. Assim o lembra a aclamação da assembleia depois da consagração: « Proclamamos a vossa ressurreição ». Com efeito, o sacrifício eucarístico torna presente não só o mistério da paixão e morte do Salvador, mas também o mistério da ressurreição, que dá ao sacrifício a sua coroação. Por estar vivo e ressuscitado é que Cristo pode tornar-Se « pão da vida » (Jo 6, 35.48), « pão vivo » (Jo 6, 51), na Eucaristia. S. Ambrósio lembrava aos neófitos esta verdade, aplicando às suas vidas o acontecimento da ressurreição: « Se hoje Cristo é teu, Ele ressuscita para ti cada dia ».(20) Por sua vez, S. Cirilo de Alexandria sublinhava que a participação nos santos mistérios « é uma verdadeira confissão e recordação de que o Senhor morreu e voltou à vida por nós e em nosso favor ».(21)

Se a frase destacada em negrito estivesse isolada, poderia dar margem a essa compreensão – da identidade do tipo de presença –, mas a frase seguinte do Papa trata de explicar, nos mesmos termos que fizemos agora, em que sentido a ressurreição se faz presente: é Cristo vivo que pode tornar-Se “pão da vida”, e assim oferecer-Se ao Pai. A primeira presença, do sacrifício, é a presença mística do sacrifício do Calvário; a segunda, da ressurreição, equivale mais propriamente à presença real, pela transubstanciação, do Ressuscitado. A Eucaristia, enquanto sacramento, nos traz a presença real do Ressuscitado; e enquanto sacrifício – inseparável da “confecção” do sacramento – nos traz a presença mística do Seu sacrifício na Cruz.

O mesmo Papa havia dito um pouco antes: “Esta [a Eucaristia ] tem indelevelmente inscrito nela o evento da paixão e morte do Senhor. Não é só a sua evocação, mas presença sacramental. É o sacrifício da cruz que se perpetua através dos séculos” (n. 11).

Talvez a frase seguinte pudesse corroborar a tese de uma renovação mística da Ressurreição (de si, sem sentido, como já falamos): “Quando a Igreja celebra a Eucaristia, memorial da morte e ressurreição do seu Senhor, este acontecimento central de salvação torna-se realmente presente e « realiza-se também a obra da nossa redenção»”. A frase que segue imediatamente, explica qual é o “acontecimento central” que se torna presente:

Este sacrifício é tão decisivo para a salvação do género humano que Jesus Cristo realizou-o e só voltou ao Pai depois de nos ter deixado o meio para dele participarmos como se tivéssemos estado presentes. Assim cada fiel pode tomar parte nela [Eucaristia], alimentando-se dos seus frutos inexauríveis.

No número seguinte, o Papa volta a ressaltar que é o sacrifício o que se faz presente:

Ao instituí-lo [o sacramento eucarístico], não Se limitou a dizer « isto é o meu corpo », « isto é o meu sangue », mas acrescenta: « entregue por vós (…) derramado por vós » (Lc 22, 19-20). Não se limitou a afirmar que o que lhes dava a comer e a beber era o seu corpo e o seu sangue, mas exprimiu também o seu valor sacrificial, tornando sacramentalmente presente o seu sacrifício, que algumas horas depois realizaria na cruz pela salvação de todos (n.12, negrito meu).

Para dirimir de vez qualquer dúvida, volta a repetir João Paulo II:

A Igreja vive continuamente do sacrifício redentor, e tem acesso a ele não só através duma lembrança cheia de fé, mas também com um contacto actual, porque este sacrifício volta a estar presente, perpetuando-se, sacramentalmente, em cada comunidade que o oferece pela mão do ministro consagrado. Deste modo, a Eucaristia aplica aos homens de hoje a reconciliação obtida de uma vez para sempre por Cristo para humanidade de todos os tempos. Com efeito, « o sacrifício de Cristo e o sacrifício da Eucaristia são um único sacrifício » (negrito meu).

Vê-se, então, como a Eucaristia é atualização sacramental tão somente do sacrifício da Cruz, e como a ressurreição se faz presente de modo indireto, seja porque é “coroação” desse sacrifício, que permite ao Senhor estar presente sobre o altar para oferecer-Se ao Pai, seja porque o fato histórico (da Ressurreição) é comemorado em cada Missa – como, ademais, o é, de forma mais especial e solene, na Páscoa e durante todo o Tempo Pascal.

Seria interessante, para a reflexão presente, buscar esclarecer o conceito de “memorial”…

Classicamente, se falava de “representação” e “memória” do sacrifício (cf. Doutrina sobre o Santíssimo Sacrifício da Missa do Concílio de Trento). A primeira noção se refere ao “tornar-se presente”, ao “atualizar-se”, ao “renovar-se” ou “perpetuar-se” (da substância) do sacrifício do Calvário; e a segunda, à rememoração do evento histórico – o que é feito de modo especial na Sexta-Feira da Paixão, e constitui a especificidade mesma desse Ofício Solene. A teologia litúrgica contemporânea trouxe à tona o conceito de “memorial”, que significaria, na mentalidade judaica, “uma recordação que torna efetivamente presente aquilo que recorda” (cf. Catecismo da Igreja Católica, nn. 1363-1364). Nesse sentido, a Missa seria “memória” (do evento) da Paixão, no sentido clássico, e “memorial” (da substância) do Sacrifício, no sentido contemporâneo. O termo “memorial” entrou no Magistério contemporâneo, significando ora recordação, ora atualização, e é preciso discernir cuidadosamente, em cada contexto, qual é a conotação exata.

Assim, por exemplo, nos diz Pio XII, na Mediator Dei: “Assim o memorial da sua morte real sobre o Calvário repete-se sempre no sacrifício do altar, porque, por meio de símbolos distintos, se significa e demonstra que Jesus Cristo se encontra em estado de vítima” (n. 63, negrito meu). O que “se pode repetir” é “atualização” ou “representação” da morte real (cruenta), e não o mesmo evento da morte do Senhor – como explicava anteriormente Pio XII –, daí, “memorial” aqui é sinônimo de “renovação”, “reprodução” do sacrifício do Gólgota.

No mesmo sentido, escreve João Paulo II na já mencionada Ecclesia de Eucharistia, fazendo referência (na nota “17”), aliás, ao número citado da Mediator Dei:

A Missa torna presente o sacrifício da cruz; não é mais um, nem o multiplica.(16) O que se repete é a celebração memorial, a « exposição memorial » (memorialis demonstratio),(17) de modo que o único e definitivo sacrifício redentor de Cristo se actualiza incessantemente no tempo. Portanto, a natureza sacrificial do mistério eucarístico não pode ser entendida como algo isolado, independente da cruz ou com uma referência apenas indirecta ao sacrifício do Calvário (n. 12).

Entretanto, o mesmo João Paulo II havia escrito, em passagem já citada aqui: “Quando a Igreja celebra a Eucaristia, memorial da morte e ressurreição do seu Senhor…” (n.11, negrito meu). Já vimos como, em relação à ressurreição, “memorial” só pode designar “memória”; já em relação à morte, pode designar tanto a atualização quanto a recordação.

A palavra “memorial” não tem, portanto, um significado único, e é preciso lê-la sempre tendo em conta o todo da doutrina da Igreja – que não pode se contradizer –, de modo a determinar com exatidão a noção que o termo está comunicando.

Veja-se, por exemplo, a única vez que a Sacrossanctum Concilium menciona o “memorial”:

47. O nosso Salvador instituiu na última Ceia, na noite em que foi entregue, o Sacrifício eucarístico do seu Corpo e do seu Sangue para perpetuar pelo decorrer dos séculos, até Ele voltar, o Sacrifício da cruz, confiando à Igreja, sua esposa amada, o memorial da sua morte e ressurreição: sacramento de piedade, sinal de unidade, vínculo de caridade, banquete pascal em que se recebe Cristo, a alma se enche de graça e nos é concedido o penhor da glória futura (negrito meu).

Como já havia dito, do “Sacrifício eucarístico” – alguns tradicionalistas querem ver nessa expressão uma mitigação do caráter propiciatório do sacrifício da Missa, quando o contexto mostra que se está falando simplesmente de “Sacrifício da Eucaristia”, como sinônimo de “Sacrifício da Missa” (não existe o adjetivo “míssico”, para falar “sacrifício míssico”!) –, que o mesmo perpetua o Sacrifício da Cruz, não fica margem para compreender que a “morte” e a “ressurreição”, das quais dito Sacrifício eucarístico é “memorial” – veja-se que o Sacrifício tomado como um todo, a “representação” ou “perpetuação” do sacrifício da Cruz, é que é “memorial” enquanto “memória” (dos eventos) da morte e ressurreição – estão presentes na Missa com o mesmo caráter.

Em passagem do Catecismo, citada por João Paulo II, diz-se: “A Missa é, ao mesmo tempo e inseparavelmente, o memorial sacrificial em que se perpetua o sacrifício da cruz e o banquete sagrado da comunhão do corpo e sangue do Senhor” (n. 1382, negrito meu). Aqui, pode-se ver claramente que “memorial” – ademais, acompanhado pelo qualificativo “sacrificial” – significa “representação” (do sacrifício). É esse sentido – de “memorial sacrificial” – que permite ao Catecismo dizer, em outra passagem, que “por ser memorial da Páscoa de Cristo, a Eucaristia é também um sacrifício” (n. 1365) – aqui há de se interpretar “Páscoa” no sentido mais restrito de “passagem”, “morte”, se não a conclusão (“a Eucaristia é um sacrifício”) não tem sentido. A Eucaristia é sacrifício porque é atualização ou representação do sacrifício do Calvário (“Páscoa de Cristo”); a expressão termina sendo tautológica – o conceito de “memorial” parece servir ao diálogo ecumênico, uma vez que os protestantes não têm dificuldades para aceitar a Missa como “memória” (recordação) da Paixão, e o aprofundamento na noção bíblica de “memorial” poderia ajudá-los a compreender a atualização da Paixão no sentido católico, pois tal noção conduz à noção clássica de “representação” (como “reapresentação”). Desde a perspectiva clássica, se pode dizer que ao “já” ser atualização desse sacrifício, a Eucaristia é “memória” dos eventos históricos através dos quais o mesmo se deu.

Já a seguinte passagem, de João Paulo II, diz, por exemplo:

No « memorial » do Calvário, está presente tudo o que Cristo realizou na sua paixão e morte. Por isso, não pode faltar o que Cristo fez para com sua Mãe em nosso favor. De facto, entrega-Lhe o discípulo predilecto e, nele, entrega cada um de nós: « Eis aí o teu filho ». E de igual modo diz a cada um de nós também: « Eis aí a tua mãe » (cf. Jo 19, 26-27).

Viver o memorial da morte de Cristo na Eucaristia implica também receber continuamente este dom. Significa levar connosco – a exemplo de João – Aquela que sempre de novo nos é dada como Mãe. Significa ao mesmo tempo assumir o compromisso de nos conformarmos com Cristo, entrando na escola da Mãe e aceitando a sua companhia. (Ecclesia de Eucharistia, n. 57).

“Tudo” o que Cristo realizou foi a redenção dos homens. Claro que a mesma não é uma realidade monolítica, e possui vários aspectos, entre os quais, o dom da maternidade espiritual de Maria aos cristãos. Entretanto, para evitar uma leitura alegórica da Santa Missa – muito comum na Idade Média, mas dogmaticamente equivocada –, é preciso ver a atualização do sacrifício no seu sentido bem estrito da entrega da vida do Senhor Jesus ao Pai – que é o significado pela consagração separada das espécies eucarísticas e concomitante oferta das mesmas pelo sacerdote ministerial (no Rito Romano Tradicional e nos Ritos orientais essa oferta fica evidenciada pelo Rito do “Ofertório”, o qual foi atenuado no Novo Rito Romano) – e compreender que aqui o Papa está falando do “memorial” como “memória” dos demais eventos que se congregam ao redor do fato essencial do sacrifício; essa memória – no exemplo específico, da presença de Maria no Calvário, e do significado espiritual dessa presença – é um meio pedagógico para participar mais plenamente do sacrifício, e para crescer na Fé – de um ponto de vista exclusivamente teórico, dogmático, eu não preciso “imaginar” o Calvário no altar, mas “conhecer” que aquilo que aconteceu no Calvário é o que acontece misticamente sobre o altar; entretanto, a “memória” da morte cruenta e demais eventos históricos ajuda à natureza humana, espiritual e corpórea ao mesmo tempo, a compenetrar-se mais no mistério celebrado.


segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Triste oposição dentro da Igreja


"Teólogos Modernos"

O Papa Bento XVI disse que pior do que os ataques que a Igreja sofre de fora dela, são os problemas internos, especialmente gerados por aqueles que a dividem, sobretudo, contestando o ensino do sagrado Magistério da Igreja.

Nesta linha perversa, mais um duro ataque interno contra a Igreja surge por parte de um grupo de 143 teólogos "modernos", professores de seminários de teologia da Alemanha, Áustria e Suiça. (zenit.org - 6/2/2011).

Em um manifesto chamado "Igreja 2011: uma mudança necessária", esses teólogo, de modo inconveniente, pedem, mais uma vez, o fim do celibato, o sacerdócio feminino e a participação popular na eleição de bispos. O episcopado alemão imediatamente expressou seu desacordo, uma vez que esses assuntos já foram exaustivamente analisados pelo Magistério recentemente, tendo havido claros pronunciamentos do próprio Papa João Paulo II e Bento XVI. O padre Langendörfer deixou claro que "sobre uma série de questões o documento está em desacordo com as convicções teológicas e as declarações da Igreja".

No entanto, a cantilena inconveniente de uma ala "moderna" dentro da Igreja insiste nesses assuntos, querendo alterar algo que já foi dito várias vezes que não se pode mudar. É o desejo de se criar uma "Igreja popular", onde suas normas não venham mais do Pai e do Filho, mas do povo. Ora, se a Igreja fosse popular, se fosse nascida do povo, seria uma igreja que não passaria do primeiro século. A Igreja é infalível quando ensina a doutrina e invencível, exatamente porque vem de Deus, e não do povo.

O que desejam esses teólogos professores de seminários europeus? Criar um Igreja sem Magistério, sem a garantia que Cristo nela colocou para guardar o "fidei depositum"?

A decisão, definitiva, da Igreja de não ordenar mulheres, foi confirmada pelo Papa João Paulo II na Carta Apostólica Ordinatio Sacerdotalis (22 maio 1994).

A Congregação da Doutrina da Fé do Vaticano foi consultada se esta posição do Papa era definitiva e irrevogável, e respondeu que SIM. Portanto, a discussão desse assunto deve ser encerrada na Igreja, e os católicos e católicas devem aceitar na "obediência da fé" (Rom 1,5) esse ponto de doutrina que o Papa e o Magistério da Igreja definiram como verdade de fé. Sugiro que os fiéis leiam a importante Carta Apostólica do Papa João Paulo II sobre a dignidade e a vocação da mulher: "Mulieris Dignitatem", para melhor entender o assunto.

Em 28/10/95 esta Congregação emitiu uma Nota que confirma o caráter definitório e irrevogável do pronunciamento do S. Padre João Paulo II. O Papa afirmou que segundo a Sagrada Escritura e a Tradição da Igreja, em relação ao sacramento da Ordem, nem Jesus Cristo nem algum sucessor de Apóstolo conferiu a ordenação sacerdotal a mulheres, tanto entre os cristãos ocidentais como entre os orientais. O Papa se baseou no procedimento do próprio Cristo, que não chamou mulheres para a Última Ceia (na qual instituiu e conferiu o sacramento da Ordem). Segundo ele a Igreja não tem autorização para mudar este ponto.

Eis o que disse o Papa João Paulo II:

"Para que seja excluída qualquer dúvida em assunto da máxima importância, que pertence à própria constituição da Igreja divina, em virtude do meu ministério de confirmar os irmãos (cf. Lc 22, 32), declaro que a Igreja não tem absolutamente a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, e que esta sentença deve ser considerada como definitiva por todos os fiéis da Igreja".

As dúvidas foram levadas à Congregação para a Doutrina da Fé, que em Nota datada de 28/10/95, respondeu em favor da irrevogabilidade da sentença.

Dúvida: "Se a doutrina segundo a qual a Igreja não tem faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, proposta como definitiva na Carta Apostólica "Ordinatio sacerdotalis", deve ser considerada pertencente ao depósito da fé."

Resposta: Afirmativa.

"Esta doutrina exige um assentimento definitivo, já que, fundada na Palavra de Deus escrita e constantemente conservada e aplicada na Tradição da Igreja desde o início, é proposta infalivelmente pelo magistério ordinário e universal (cf. Conc. Vaticano II, Const. dogm. Lumen gentium, 25, 2). Portanto, nas presentes circunstâncias, o Sumo Pontífice, no exercício de seu ministério próprio de confirmar os irmãos (cf. Lc 22, 32), propôs a mesma doutrina, com uma declaração formal, afirmando explicitamente o que deve ser mantido sempre, em todas as partes e por todos os fiéis, enquanto pertencente ao depósito da fé."

O Papa João Paulo II, aprovou a presente Resposta, em 28 de outubro de 1995. (Revista Pergunte e Responderemos, n. 407/1996, pp. 153-155 e Nº 492 - Ano 2003 - Pág. 266).

Portanto, tornar a insistir sobre esse assunto é falta de respeito ao Magistério da Igreja, e ao Papa de modo especial, especialmente grave, partindo de professores de Seminários de teologia.

Sobre o celibato sacerdotal o Papa Bento tem explicado exaustivamente que é a marca de uma adesão total a Cristo e a Igreja. Cristo foi celibatário, e os demais sacerdotes devem imitá-lo. É a prova definitiva para a vocação sacerdotal. Jesus elogiou o celibato daqueles que se fazem eunucos pelo amor do Reino de Deus. Insistir contra isso é ofender o Magistério e o próprio Papa.

Durante a vigília de encerramento do Ano Sacerdotal, o Papa explicou aos milhares de sacerdotes "o celibato sacerdotal, hoje tão questionado, supõe uma consequência da união do "eu" do sacerdote com Cristo. É importante que nos deixemos penetrar novamente por esta identificação do 'eu' de Cristo conosco, desse ser 'tirados' e conduzidos ao mundo da ressurreição. Neste sentido, o celibato é uma antecipação" do céu". (Zenit.org - 16/6/2010)

Sobre a eleição popular de bispos é preciso entender que a Igreja não é uma democracia, pois não nasceu do povo, mas de Deus. "É um projeto nascido no coração do Pai", diz o Catecismo (§759) e "instituída por Cristo" (§763).

A escolha de um bispo é algo muito sério, é um Pastor, Apóstolo do Rebanho do Senhor, algo que não pode ser confiado a qualquer um. Numa universidade não são os alunos que escolhem os professores, mas a Direção, mediante criterioso exame de seleção entre aqueles que possuem o título de doutor na disciplina. "Mutatis mutandis" o mesmo vale para a Igreja; pedir que o povo escolha os bispos é semelhante a pedir que os alunos escolham seus professores. Ora, desejar que o povo escolha os bispos é mais uma tentativa de eliminar o Magistério da Igreja e criar uma igreja popular, como a da Reforma protestante.

Por tudo isso, é preciso que os católicos fiéis ao Papa e ao Magistério sagrado da Igreja se manifestem contra essas exigências descabidas de teólogos "avançados".