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quarta-feira, 27 de outubro de 2010

A infância espiritual

Um dos mais notáveis papas da Igreja foi, sem dúvida, São Leão Magno. Na esfera espiritual, ele permaneceu sempre firme defendendo as verdades do catolicismo frente às grandes heresias que sacudiram o século V e atuou, participando de discussões, encontros e concílios. Foi nessa época que escreveu um dos documentos mais importantes para a fé: a "Carta dogmática a Flaviano", o patriarca de Constantinopla, defendendo as posições ortodoxas do cristianismo.

"Pedro falou pela boca de Leão", disseram os teólogos da época que acabaram concordando com seus argumentos. Estão guardados mais de cem, dos seus sermões, além de cento e quarenta e três cartas contendo ensinamentos sobre a fé cristã, seguidos e respeitados ainda hoje. Um dos mais belos textos deste notável papa, falecido a 10 de novembro de 461, é sobre a infância espiritual. Segundo ele, a infância humana do Filho de Deus é para todos uma lição de humildade, Jesus que é um ideal a ser imitado A humildade foi sua companheira durante toda sua vida terrena, desde a manjedoura até a cruz. Ele mesmo mostrou que para se entrar no Reino dos Céus é preciso a humildade: “Em verdade vos declaro: se não vos transformardes e vos tornardes como criancinhas, não entrareis no Reino dos céus (Mt 18,3). Observa São Leão Magno que há um pormenor na ida dos reis magos até Belém que nem sempre é notado. Com efeito, “conduzidos pelo clarão de uma nova estrela para adorar Jesus, eles não o viram dominando os demônios, nem ressuscitando os mortos, nem restituindo a vista aos cegos ou o andar aos paralíticos ou a palavra aos mudos, nem exercendo nenhum de seus poderes divinos. Eles encontraram um menino silencioso, tranqüilo, confiado aos cuidados de sua mãe, nele não aparecendo nenhum sinal de poder. Ele, porém, mostrava somente um prodígio e, na verdade, grandioso, ou seja, sua humildade mesma”.

E fato, foi com sua humildade que Jesus venceu o mundo e satanás. Foi perseguido enquanto criança e terminou perseguido lá no Gólgota, tendo, antes, podido dizer: “Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração” (Mt 11, 29). Conclui São Leão Magno que isto significa viver no desprezo de si mesmo, na indiferença às honras, na igualdade de humor, na confiança mais absoluta somente em Deus e não confiando nas próprias forças. Razão tem este Papa, pois a humildade metafísica é a base de tudo. Somente Deus é o Absoluto e cada um é um ser contingente, limitado, pois existe, poderia não existir. Tudo que se tem vem do Ser Supremo donde a indagação de São Paulo: “O que tens que não recebeste. Se, porém, recebeste, porque te gloriares” (1 Cor 4,7) . Esta humildade é o alicerce da infância espiritual. Poucos santos como Santa Terezinha do Menino Jesus viveu este ideal que São Leão Magno pregou na sua aludida homilia. Esta santa sempre dizia que é Jesus que suscita em cada um o desejo de fazer de sua vida algo de grande, a vontade de seguir um ideal, a coragem de fugir da mediocridade, a determinação de se engajar com humildade e perseverança para se santificar e melhorar o mundo.

O caminho da infância espiritual pregada por São Leão Magno e vivida tão intensamente por Santa Terezinha tem, segundo os mestres espirituais, cinco elementos primordiais. Primeiro, grandes desejos, sede do amor infinito de Deus, anseios sempre mais intensos. Depois, reconhecer a própria incapacidade radical de os realizar e daí uma confiança total em Deus; compreender que Ele somente poderá preencher os desejos mais recônditos da alma de cada um; fazer pequenos esforços dentro dos limites de cada um, sabendo que a infância espiritual não é uma questão de generosidade, mas um ato de humildade e, finalmente, o abandono nas mãos do Pai do Céu. Estes cinco pontos são importantíssimos e são a dinâmica mesma do coração nesta via da infância espiritual proposta por São Leão Magno.

O cristão percebe então sua incapacidade pessoal de ser bom, de amar em plenitude a Deus e o próximo e se reconhece um ser frágil, mas ama sua fraqueza e sua vulnerabilidade. Os grandes santos compreenderam isto e diziam que viver a infância espiritual é suportar com doçura as imperfeições inevitáveis ao ser humano. Isto leva a entrar na dinâmica de relação com Deus, somente Ele santo e perfeito, sábio e todo-poderoso.

Quem apreende a beleza da infância espiritual pregada pelo papa São Leão Magno percebe que a santidade não se acha nesta ou naquela prática, mas consiste numa disposição do coração que torna o cristão humilde e pequenino nas mãos de Deus, consciente de sua pusilanimidade, mas convicto até à audácia da bondade do Pai amoroso. Tais as lições que se pode tirar da citada homilia de São Leão Magno.

Fonte: Catolicanet

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